A Tragédia Clássica vai encontrando paralelismos na vida real, e para o caso, no futebol também. No percurso da Tragédia encontramos a hybris (desafio do protagonista aos deuses) bem espelhada na fantástica campanha do Benfica na época 12/13, onde parecia querer rebentar com toda a ordem estabelecida e superiorizar-se a toda a gente. Um clube mítico, mas não fazendo parte da elite dos mais poderosos, ousou bater o pé a quem lhe aparecesse à frente e recusava-se a perder.
Depois da hybris vem a páthos (sofrimento intenso como como consequência do desafio e capaz de despertar a compaixão do espectador). As imagens do Dragão e da Amsterdam Arena encaixam na perfeição, depois de toda a garra e brio tudo ruiu de forma insuportavelmente dolorosa. A dor usou as lágrimas de milhões de benfiquistas para se tornar visível e lancinante.
A agnórise é o elemento seguinte, trata-se do reconhecimento de um facto inesperado e que irá desencadear o climax (elemento seguinte da Tragédia). E o facto a que me refiro é o empate caseiro com o Olympiakos. Há muitas condicionantes no jogo de ontem, mas a verdade é que duvido que houvesse um único benfiquista que não esperasse a vitória.... A jogar em casa contra uma equipa grega (seja ela qual for) tem que resultar em 3 pontos para nós.
A entrar em Novembro, o Benfica não fez ainda uma única grande exibição (goleadas então parecem coisas de um passado longínquo..) e acumula partidas fracas e mal jogadas umas atrás de outras. Na principal prova, o Campeonato, já tem 5 pontos de atraso, e embora sejam perfeitamente recuperáveis, foram ridiculamente perdidos. Na Europa, onde temos feito algumas das melhores exibições dos últimos anos, o rendimento está a léguas do exigível.
Jorge Jesus não é o mesmo, este ano parece-me receoso (trocar extremo por extremo sem qualquer alteração táctica na equipa e fazer as outras 2 substituições a menos de 10 minutos do fim é de quem está tudo menos confiante e galvanizador) e preocupadíssimo em não perder. Ora isso não só vai contra tudo aquilo que ele pensa sobre futebol e o seu modelo de jogo, como vai contra as raízes do Benfica: nunca desistir e lutar sempre pela vitória.
Talvez a agnórise nem seja afinal o empate grego, talvez o acontecimento mais inesperado seja mesmo a cautela de Jesus. Um treinador que ambicionava trucidar oponentes não pode agora regozijar-se com um quanto baste. A pressão (ou o páthos) fez mossa em Jesus, que além de desorientado, parece já não ter capacidade de se motivar, de motivar os atletas e por conseguinte todos nós. Ele que tinha sido o (único) catalisador dos últimos anos benfiquistas, que fez regressar o espectáculo à Luz e ombreou - desafiando - com os mais potentes clubes da Europa, aparece cada vez mais abandonado, porque a estrutura é inexistente. A "estrutura" do Benfica dos últimos 4 anos resume-se a Jorge Jesus, todos navegaram no seu sucesso e agora todos parecem escudar-se nos seus dias negros. É verdade que Luis Filipe Vieira foi coerente e lhe proporcionou o melhor plantel que há memória mas falta outra figura, com mais presença e preparada para dar o corpo às balas com maior frequência, porque se Jesus cair...todo o castelo ruirá com ele.
O climax - crescendo trágico até à peripécia - é a antecâmara da catástrofe na Tragédia Clássica, naqueles que são os seus principais elementos. O que implica que o pior ainda estará por vir....isto se esta for mesmo uma época de tragédia. O Nacional está aí à porta e não vencer seria trágico, mas como não sou pessimista - nem nunca o serei com o Benfica - penso que é altura de se rasgarem guiões trágicos e datados e se olhar para o Futuro com vontade de o devorar. O futebol, e o Benfica sobretudo, vive de paixões, do 8 ao 80 num segundo, portanto não se pode deitar a toalha ao chão prematuramente, e depois do final da época passada (haverá tragédia maior ??), se continuamos aqui é porque acreditamos na redenção que tanto merecemos.
A vida é um calvário. Sobe-se ao amor pela dor, à redenção pelo sofrimento. - Guerra Junqueiro
Quem aplica um castigo quando está irritado, não corrige, vinga-se. - Montaigne.
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